ALCAIDE – AS ORIGENS
Como
a maior parte das povoações, o Alcaide tem o seu mito ou a sua lenda de
fundação, fundamentado na luta contra um invasor. Diz a tradição oral que a
primitiva povoação teria sido erguida, em tempos muito antigos, no lugar de
Torrinha, nas terras baixas, onde dizem ter existido um povoado romano,
denominado Vila Silva, a pouco mais
de um quilómetro a norte da actual aldeia, de onde a população teve que fugir
devido a uma praga de formigas, instalando-se no ponto alto, onde se encontra.
O
Alcaide tem uma longa história de cerca de oitocentos anos. Passou de um
pequeno lugar[i]
a aldeia[ii],
depois foi vila[iii]
e sede de concelho, desde o tempo de D. MANUEL I, supõe-se que desde 1515[iv]).
O concelho durou, segundo uns, até 1636, ou, segundo outros, até à fundação do
Concelho do Fundão, este criado por Carta Régia de 10 de Maio de 1747[v],
passando, desde esta altura até às reformas liberais de 1836, a Concelho de
Autonomia Imperfeita.
Em
O Tombo dos Bens, Foros e Propriedades
que Pertencem ao Concelho da Villa da
Covilham[vi],
mandado fazer por D. Filipe II, em 1615, refere o Concelho do Alcaide com um
Escrivão da Câmara, de nomeação régia, dois Juízes, dois Vereadores, um
Procurador, todos eleitos em cada ano, nos termos da lei, com jurisdição na
eleição dos almotacés, jurados, porteiros e quadrilheiros.[vii]
O
mesmo Tombo refere o Concelho do Alcaide, com uma população de 350 vizinhos
(famílias, fogos, casas habitadas), do seguinte modo:
Huma
praça que não tem pelourinho e huma caza de câmara que ao presente esta caida
em qual esta huma corrente em que metem os presos, e assim tem huma caza de
carniçaria junto da caza do conselho e outra na corredoura e curral do conselho
em que metem o gado que acham nos danos e coutadas e a renda das coimas em que
sua magestade tem a terça que hus anos por outros rende outenta mil reis pouco
mais ou menos.
O
Concelho do Alcaide, com sujeição ao Concelho da Covilhã, apenas nas justiças
relativas ao Crime e aos Órfãos, passou, em 9 de Julho de 1747, a tributário do
Concelho do Fundão, com jurisdição entre os limites da Solada, Alpedrinha,
Alcongosta, Donas, Ribeira do Paço, Chãos, Fatela, Catrão e Carvalhal, com vida
de jurisdição de autonomia imperfeita, continuando a ser governado por dois
Juízes ordinários, com corpo da câmara, cuja eleição era feita pelo Corregedor
da Comarca, tendo apenas alçada Cível, com apelação para a Relação do Porto, e
no Crime e Órfãos estava sujeito ao juiz de fora da Vila do Fundão, capital do
seu termo.[viii]
Segundo
JOSÉ MENDES FELIZ[ix],
uma notícia da primeira metade do século XVIII refere que a vila de Alcaide era
governada por dois Juízes Ordinários, dois Vereadores e dois Almotacés, com
Casa da Câmara, dependendo, em relação à justiça relativa ao crime e órfãos, da
vila da Covilhã e à Relação do Porto no que dizia respeito ao cível. Pertenciam
ao Alcaide o Lugar ou Aldeia da Cortiçada e o sítio ou quinta dos Folhadeiros.
A
Vila de Alcaide é confirmada como Concelho da Comarca e Distrito de Castelo
Branco, por Decretos de 28 de Junho de 1833 e de 18 de Julho de 1835, como
tributário do Concelho do Fundão, sendo extinto na segunda metade do século
XIX, passando a povoação à designação de aldeia.
As
Memórias Paroquiais de 1758 referem que a povoação de Alcaide é de El-Rei,
Nosso Senhor, e não tem donatário, tendo como anexa a povoação da Cortiçada,
com 15 vizinhos, em quintas, e 57 pessoas, e tinha a regalia da apresentação do
Cura de Vale de Prazeres ao respectivo Prior.[x]
Desse
tempo áureo, restam a Casa da Câmara, situada no Largo da Praça, ostentando o
escudo manuelino, e onde estiveram instaladas a Es-cola Primária Masculina, de 1870 a 1954, a sede da Liga dos
Amigos do Alcaide, de 1956 a
1990, e a Junta de Freguesia até 1998, e a Prisão, actu-almente na posse de
particular, situada na Rua da Nossa Senhora da Oliveira de Cima.
Pelas
terras do Alcaide, beneficiando de uma localização privilegiada, passaram e
instalaram-se vários povos ao longo da história. Romanos e Árabes passaram
pelos limites do Alcaide. Alguns dos seus caminhos entroncavam com a estrada
romana que ligava a Egitânia (Idanha-a-Velha) a Braga. Numa quinta de João
Franco, em 1913, foram encontrados denários,
moedas ibero-romanas, e, em outros locais, alguns arte-factos romanos, como mós
de granito de moinhos manuais familiares.[xi]
Antes
ou depois da fundação de Portugal, os Templários, por certo, que povoaram as
terras do Alcaide.
Na
aldeia, foi encontrada, recentemente, uma estela funerária ou cabeceira de
sepultura, discóide, de granito, com a Cruz Templária numa das faces.
Numa
casa, situada na rua João Franco, em frente da torre, encontra-se um documento
lítico, que teria sido uma sepultura, sarcófago, escavada num bloco de
granito, com a Cruz Templária esculpida na cabeceira. O documento material, pelos
sinais que contém, deve ter sido utilizado como recipiente de refrigeração de
alambique. Depois, o artefacto foi dividido em duas partes, servindo, até
meados do século XX, a do lado da cabeceira, a maior e mais larga, de
salgadeira para carne de porco, com adaptação de uma tampa de madeira de
castanho, e a mais pequena de pia para os porcos comerem, com as adaptações
necessárias.
A Ordem do Templo esteve em Portugal
desde a sua fundação, em 1143, até à sua extinção, em 1312, estando instalada
em diversos locais da Serra da Gardunha, como Alpedrinha e São Vicente da
Beira, que aliava à vida monástica a profissão de guerreiro, para a luta contra
os árabes, designados por infiéis. A esta Ordem, se ficou a dever, por certo, o
povoamento das terras da Região da Gardunha, porque foram-lhe doadas com a
condição de as povoarem, fundando povoações, sempre que possível, a distâncias de
cerca de 5 quilómetros.
Brasão Manuelino, na antiga Casa da Câmara.
Antiga Casa da Câmara, na Praça Joaquim Gil Pinheiro.
Prisão antiga, na Rua Nossa Senhora da Oliveira de Cima.
Lugar da Torrinha, onde, segundo o mito de fundação, foi instalada a povoação.
Caminho antigo que ligava o Alcaide à Cortiçada e à estrada romana, que atravessava a Gardunha na Portela de Alcongosta.
[i]
Os lugares (do latim locus ou localis) designam a vila (do
latim villa), partes da vila ou, por virtude do
parcelamento dos campos, uma superfície reocupada por casas de cultivadores ou
artífices, não contíguas, mas separadas por glebas, como ainda hoje se verifica
(SAMPAIO, 1987:77).
[ii]
Segundo LUÍS CHAVES (1963:989), o termo aldeia, nome designativo de povoação
rural ou não urbana, foi introduzido em Portugal pelos muçulmanos,
sobrepondo-se aos nomes por que eram conhecidos os agregados populacionais
correspondentes, no período romano. ORLANDO RIBEIRO (1967:85) refere que o
sentido da palavra aldeia é impreciso: tanto designa qualquer ajuntamento de
casas que não seja vila nem cidade, isto é, sem funções administrativas e de
coordenação, como um aglomerado rural ou piscatório.
Para
CLIFORD GEERTZ (1975:197), uma aldeia é mais do que um grupo de casas ou
pequeno povoado de carácter permanente, antes se refere a uma comunidade
agrícola consolidada, distinguindo-se dos outros povoados, sendo um tipo
predominante da comunidade humana.
[iii] Segundo ALBERTO SAMPAIO (1987:39), a palavra vila
denominou primitivamente a vivenda rural do dominus (o senhor),
compreendendo, depois, quanto se continha dentro de um prédio rústico (a
habitação do proprietário, a dos trabalhadores, estábulos, celeiros e
terrenos), constituindo uma unidade rural.
Actualmente,
vila significa o núcleo populacional, que goza de categoria jurídica, sem
nenhuma conotação administrativa, superior a aldeia e inferior a cidade.
(OLIVEIRA, 1976:1126).
[iv] SILVA, Joaquim Candeias da, 1993:22.
[v] MONTEIRO, José Alves, 1990:20.
[vi] Memórias do Arquivo Municipal da Covilhã,
folha 20.
[vii] MONTEIRO, José Alves, 1990.
[viii] ANTT (ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO),
DGP, I, Nº 75, f.
414.
[ix] FELIZ, José Mendes, 1968: 87.
[x] ANTT, DGP, I, Nº 75, f. 414.
[xi] Uma mó romana, manual, encontrada numa
propriedade, em meados do século, encontra-se no Museu Alves Monteiro, no
Fundão.