domingo, 4 de março de 2012

O ALCAIDE PELA PENA DOS SEUS NATURAIS


MINHA TERRA

Por António Salvado Ferreira
(Professor Primário)


Que orgulho eu sinto em dizer minha terra!
Tão justificado ele é, que me leva, meus queridos leitores, a razão ao conhecimento verdadeiro da existência de patriotismo, de bairrismo e de independência. Ai de mim, se não dissesse minha terra! Um patriotismo podre, bairrismo inexistente e o significado da independência morta. Seria um espírito como a plasticina, amolgável a todas as vontades, a todas as ideias e a todos os caprichos que ora me mergulhariam num mar de prazeres, ora noutro de inquietações e de repelões.
Aonde chegava? À vida permanentemente sobressaltada, trazendo-me, consequentemente, para me embrulhar, a túnica da ignomínia e da hipocrisia.
Mas, como tenho aquele orgulho, repito, justificadíssimo, não posso, nem devo deixar de ser bairrista, lutando para a cantar com a sua paisagem digna de ser pintada na mais fina tela com as suas matas enormes de castanheiros e pinheiros, com os seus pomares e vergéis, cujos frutos saborosos são de fama invulgar.
Cantá-la-ei com as suas águas abundantes e cristalinas que, de socalco em socalco, vão chorando saudades de alcaidenses ilustres.
Cantá-la-ei na sua igreja e torre majestáticas, onde, naquela, a talha concretiza a mais fina arte.
Alcaide – minha terra – onde tenho as jóias mais preciosas – meu e minha santa mãe – como todos os pais de lá, que tão bem sabem encaminhar seus filhos no caminho da honradez, do patriotismo e da hospitalidade, eu te saúdo!
Eu te saúdo, Alcaide, que, como sentinela sempre vigilante da Cova da Beira, mostrastete sempre altaneira e altruísta, seguindo a par e passo o caminho do bem comum.
De hoje a oito dias, estarás em festa, festejando com o maior esplendor, S. Pedro, o seu orago.
Que jamais deixes de dar aquele cunho folgazão à custa dos ranchos das tuas raparigas loiras e esbeltas, nos cantares, nas fogueiras e à recepção dos teus visitantes. Que as tuas cantigas, como,

S. Pedro, para ver as moças,
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão a ela
E S. Pedro todo se mata.

Sejam cantadas com aquela harmonia, só própria das tuas raparigas, inigualáveis em garganteios semelhantes a trinados de rouxinóis, que nos fazem recordar a quadra do poeta e tantas vezes cantada por elas:

As aves, pelas ramadas,
Cantam todo o santo dia;
Canções lindas, perfumadas,
Canções cheias de alegria.

Alcaide, minha terra, onde a vida se passa quase sem sentir, eu te canto, eu te elevo, eu te saúdo.
Alcaide, XVI/VI/MCXXXVI
(Gardunha, 21 de Junho de 1936)



Alcaide - Praça Joaquim Gil Pinheiro; nota-se o cais da capela de São Sebastião,  1941.

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